A Lei de Goodhart: quando métricas mais atrapalham do que ajudam

“Isso tá parecendo um pet shop” dizia a mensagem que recebi do Diego, meu sócio.

Abri o Instagram da Rock Content e, realmente, a presença de cãezinhos passeando pelo nosso escritório ocupava uma parcela considerável das postagens na rede social.

E eu era o responsável pelo marketing.

Como fui parar nessa situação, caro leitor? Para isso temos que conhecer a lei de Goodhart e entender um dos erros mais comuns na gestão de times, que cometemos sem ver:

“Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida.”

Charles Goodhart – 1975

Ou seja, a partir do momento que uma métrica é escolhida como indicador de sucesso, ela deixa de ser um bom indicador pois na tentativa de se alcançar as metas, pessoas invariavelmente irão fazer com que ela perca o seu propósito original.

Voltando ao meu caso, o que houve foi que o indicador escolhido para definir para o sucesso nas redes sociais foi engajamento (curtidas, comentários e compartilhamentos), algo bem comum no mundo das mídias sociais.

A partir desse momento, engajamento deixou de ser uma boa métrica.

Rapidamente o time de mídias sociais reparou que as fotos do cachorrinhos que visitavam o escritório faziam muito mais sucesso do que qualquer postagem sobre marketing, que é o negócio da empresa.

A gente fazia até crachá, sabe?

Todo esse engajamento não estava ajudando em nada os objetivos reais da empresa, pois não estava atraindo a audiência correta e não estava educando o mercado. Mas, olhando especificamente para essa métrica isolada, era um sucesso!

Arrisco dizer que não só esse é um dos problemas mais comuns dentro de qualquer empresa, mas como também é um dos mais difíceis de se identificar e combater.

O resultado são processos ineficientes, com falta de alinhamento entre times, que gera desperdício para a empresa e piores resultados. Em times que trabalham diretamente com o cliente e audiência, é comum a experiência desse cliente ser prejudicada para que uma meta seja batida.

A métrica se dissocia do propósito dela no mundo real, se tornando um fim nela mesma.

Exemplos da lei de Goodhart no mundo real

Um exemplo famoso da lei de Goodhart aconteceu na Índia durante o domínio britânico, quando na tentativa de diminuir a população de cobras venenosas os governantes passaram a pagar um recompensa por cada cobra que os locais conseguissem pegar.

O que eu tenho a ver com isso, gente?

Não demorou muito para os indianos começarem a criar suas próprias cobras para aumentar seus ganhos, tornando a medida inútil. Nesse caso, a situação na verdade piorou, pois assim que os britânico pararam de pagar pelas cobras, os locais soltaram na natureza todas as cobras que estavam criando em cativeiro.

Esse caso também se encaixa na definição de incentivo perverso.

Mas voltando ao mundo dos negócio, vou dar um exemplo, que é uma teoria minha, mas aposto que é verdade em algum grau: o LinkedIn e suas escolhas bizarras de usabilidade.

Até o final de 2018, quando você recebia uma mensagem dentro do LinkedIn, um email de alerta era também enviado, contendo todas as informações sobre mensagem, incluindo seu conteúdo. Funcionalidade comum de email transacional que funcionava bem.

Mas em 2018 (acho que foi novembro, baseado nesse post), isso mudou. Os emails não mostravam mais o conteúdo da mensagem, obrigando a pessoa a clicar para ler no LinkedIn. Um processo frustrante e desnecessário.

Agora tente imaginar. Por que alguém faria isso?

A resposta é: para aumentar as visitas no site de qualquer maneira.

Mas se é uma experiência negativa para o usuário, não tinha ninguém sensato o suficiente para apontar que essa não é uma boa ideia e não vai ajudar em nada, de verdade, o LinkedIn?

Aí vem a verdadeira resposta: em 2018 uma parte considerável (nove por cento) da remuneração de nada mais, nada menos, que Satya Nadella, o CEO da Microsoft e chefe da porra toda, estava atrelada diretamente a “quantidade de vezes que usuários logados visitam o LinkedIn, separados por 30 minutos de inatividade” [Fonte]

Imagina o que aconteceu no momento que isso foi oficializado? Prioridade #1 no LinkedIn vira aumentar visitas ao LinkedIn de qualquer maneira. Em algum momento, essa diretriz vai sendo passada pra frente, até chegar em algum Gerente de Produto, que também terá seu bônus atrelado a isso.

E assim surge um email ineficiente, que não traz nenhum valor para o usuário. Ah, e também temos as mensagens que as pessoas conseguem te mandar somente com um clique, sabe qual? Sem nenhum valor, sem nenhum esforço, mas que com certeza aumentam as visitas e quantidades de mensagens enviadas (alguém deve ser responsável por essa métrica também).

Mensagens sem valor nenhum, que só irritam e deixam Satya mais rico.

Lembre-se: sua audiência não se importa se você bater sua meta.

Alguns outros exemplos rápidos e comuns, com os quais já me deparei na vida profissional:

  • Agência que foi criticada pelo cliente porque o “bounce rate” do blog estava alto – o que geralmente é comum. Para resolver o problema colocaram um script que gerava um evento virtual e o bounce rate caiu drasticamente. Na vida real, absolutamente nada mudou.
  • Vendedores sendo incentivados e recebendo bônus pela quantidade de negociações criadas no CRM. Rapidamente o número subiu, mas a qualidade das negociações caiu drasticamente e isso não influenciou em nada o volume de vendas, só gerando custos.
  • Várias vezes já vi times de marketing que possuíam uma meta de leads que levava em conta simplesmente a quantidade total, e não qualidade. Quando isso acontece, é natural o time usar de várias táticas para gerar volume mas com baixa qualidade.

Como evitar que as métricas se tornem um problema?

No início de um negócio a liderança tem uma visão ampla de todos os processos e consegue conectar as iniciativas para ver quais estão realmente gerando resultados. Mas à medida que a organização cresce, essa visão ampla vai se perdendo e temos mais profissionais focados em entregar somente uma parte do processo que, claro, precisa ser metrificada.

É nesse momento que a lei de Goodhart começa a atacar! Quanto mais complexo o sistema, mais fácil é a criação de métricas que deixam de ser boas medidas de sucesso e mais difícil é de se identificar essas métricas.

A princípio isso não acontece porque alguém é mal intencionado ou incompetente, simplesmente é a resposta natural ao se pedir para pessoas entregarem um número: se elas não tiverem contexto, vão fazer o que for necessário para baterem suas metas.

Por causa disso é essencial que a liderança da empresa, que naturalmente possui um contexto mais amplo, seja a responsável por criar sistemas para mitigar esse problema e os comunique para toda a organização.

No exemplo da “Rock Pet Shop Content”, a culpa foi minha de não educar os gerentes sobre qual é o tipo de engajamento desejado, e também não criar um sistema de métricas que evitasse a distorção que foi criada. Só assim os gerentes seriam capazes de guiar os contribuidores individuais para tomar as ações que possuem valor estratégico para a empresa.

Como traduzir isso em ações práticas:

Se você é um diretor ou líder da área:

  • Sempre que possível, avalie pelo menos parte da performance dos gestores do time por métricas de negócio, não métricas intermediárias. Por exemplo, um gerente de Inbound que é avaliado não só por leads e MQLs, mas também por receita, irá tomar melhores decisões na hora de definir as metas de seus contribuidores individuais.
  • Se a sua empresa possui um programa de bônus, utilize a receita gerada (ou MRR e ARR para Saas) como um dos componentes desse bônus, para gerar alinhamento.
  • Crie métricas em par, que gerem “tensão” entre elas, para servir como um método de balanceamento para evitar distorções que afetem negativamente a empresa. Se um time de vendas é incentivado pela quantidade de negociações abertas no CRM, eles também podem ter um incentivo para que a conversão de negociações em vendas não caia abaixo de um certo patamar. Isso impedirá a criação de negociações de baixa qualidade.
  • Sempre deixe bem claro para seus liderados como que o papel deles contribui para o sucesso final da empresa, e que esse é o objetivo do trabalho de todos.
  • Faça reuniões recorrentes com outros times para alinhar que todos os entregáveis estão tendo impacto positivo no processo como um todo

Se você é um contribuidor individual, muitas vezes você pode estar à mercê de um líder que não entende bem (ou não quer entender) a importância de não se conformar em só entregar as próprias métricas. Pode ser frustrante, mas mesmo nesses casos há algumas coisas que podem ser feitas:

  • Caso seu líder não tenha essa iniciativa, pergunte a ele sobre como o seu trabalho ajuda a empresa a alcançar seus objetivos de negócio. Use isso como um guia para sua tomada de decisões.
  • Crie uma rotina de coletar feedbacks de outros departamentos que são diretamente impactados pelo seu trabalho, e veja se o seu entregável está realmente ajudando eles a alcançarem os resultados que eles precisam. Um time de marketing precisa saber se os MQLs estão virando vendas, um time de vendas precisa saber se o tipo de cliente que eles estão buscando está tendo sucesso no uso do produto, etc.
  • E a minha principal dica: tente ao máximo ter um entendimento mais macro do funcionamento da empresa em que você trabalha. O que cada departamento faz, o que gera receita, o que gera retenção, quais os pontos de contato do cliente? Siga a dica do policiais da série The Wire e “siga o dinheiro”, para entender o que é importante. Mesmo que você ainda tenha um papel pequeno, esse entendimento é um dos diferenciais de quem sobe na carreira e quem fica estagnado.

Conclusão: manuseie suas métricas com cuidado

Não existe um marketing bem feito – ou gestão de maneira geral – que não seja baseado em dados. Sem eles é impossível melhorar os resultados e identificar o que funciona ou não. Mas é muito importante estarmos sempre atentos para não cair na armadilha da Lei de Goodhart.

É comum ficarmos satisfeitos em entregar a nossa parte do trabalho, sem saber se ela realmente está tendo o efeito desejado. Quantificar o resultado do nosso trabalho nos dá um certo grau de conforto e certeza, mas nem sempre isso quer dizer que o resultado é positivo.

E se você é dono ou diretor de uma empresa, lembre-se que aí não tem desculpa: é seu papel fazer com que toda a organização esteja estruturada de maneira a evitar que seus colaboradores gastem tempo buscando alcançar metas que não colaboram em nada para o sucesso da corporação.

E você, já se deparou com alguma situação parecida com o que mencionei nesse post? Se sim, que tal compartilhar esse post, contando sua história, em alguma rede social?

Vitor Peçanha

Vitor Peçanha

Co-fundador da Rock Content, uma das maiores empresas de marketing de conteúdo do mundo, e agora também fundador da PbyP. É palestrante internacional e referência nacional em marketing. 🕮 - Autor do best-seller "Obrigado Pelo Marketing" 📝 - Escrevo textos sobre marketing e negócios no LinkedIn 📷 - Posto fotos do meu cachorro e dicas rápidas de marketing no Instagram